Você já ouviu falar em melhora da morte? E lucidez terminal? Já ouviu histórias sobre pessoas que, do nada, melhorou de uma enfermidade grave e, pouco depois, faleceu?
“Os médicos não davam muita esperança (…) pneumonia, os rins estavam querendo parar de funcionar”, conta Danila, sobre sua avó Luzia, que à época estava internada com complicações da diabetes.
“Num belo dia, do nada, uma boa recuperação, ficou bem. Minha mãe conversou com ela, inclusive até falou com ela que ela ia ficar bem, que ela ia voltar e tudo. Minha avó respondeu falando que não, que ela não voltaria. Mas foi um dia que ela respondeu, que ela abriu o olho, coisa que ela não estava fazendo. Ela estava dando algum retorno além de só, sei lá, piscar o olho assim, sabe? E aí, após isso, ela precisou fazer hemodiálise no dia seguinte. E um dia depois da hemodiálise, ela faleceu. (…) Ela teve essa melhora súbita antes de falecer”.
A história de Danila é compartilhada por outras pessoas que viveram a experiência de ter uma pessoa amada doente, que melhora pouco antes de morrer. O que está por trás de tantos relatos da “melhora da morte”? O que diz a ciência sobre um fenômeno que parece tão paradoxal, que desafia a lógica de que pessoas doentes pioram até morrer? É sobre isso que falamos no artigo de hoje. Boa leitura.
O que é a melhora da morte?
A expressão “melhora da morte” refere-se a uma fase específica em que um paciente terminal parece experimentar uma melhora temporária em seu estado de saúde antes do falecimento iminente.
Esse fenômeno pode ser surpreendente e confuso para pacientes e familiares, pois parece contradizer o prognóstico e a condição previamente grave do paciente.
Existem outros nomes que, de maneira geral, descrevem o mesmo fenômeno. Em inglês, por exemplo, é comum encontrarmos as expressões – traduzindo – “lucidez paradoxal” e “lucidez terminal”. Uma luz que surge com força antes de se apagar para sempre.
Um dos registros antigos deste fenômeno na literatura médica moderna foi de William Munk, um importante médico britânico, em 1887. Ele se referiu à melhora da morte “lighten up before death”. Algo como “iluminação antes da morte”.
Como a melhora da morte se parece?
Quando buscamos os muitos relatos de melhora da morte presentes em reportagens e alguns estudos, podemos encontrar algumas manifestações diferentes da melhora da morte:
- A pessoa volta a falar após um período sem se comunicar. Ou, então, a comunicação é mais clara e longa comparada aos dias ou semanas anteriores.
- A pessoa se senta do nada ou até mesmo fica em pé após um longo período deitada.
- A pessoa demonstra uma clareza que não conseguia demonstrar há algum tempo. Por exemplo, chama por uma pessoa específica ou tem uma conversa sobre um tópico complexo. É um tipo de relato comum em casos de pacientes com Alzheimer ou demência.
- A chamada “lucidez terminal” acontece. Alguns relatos trazem, inclusive, casos extremos como alguém acordando de um coma, são, “para morrer”.
3 possíveis causas para a melhora da morte
A melhora temporária que ocorre antes da morte pode ser atribuída a diversos fatores fisiológicos e psicológicos. Entre as possíveis causas estão:
- Mudanças Fisiológicas: Às vezes, o organismo pode compensar temporariamente uma condição crítica, levando a uma breve estabilização ou até mesmo a uma melhora nos sintomas. Essa reação pode ser uma tentativa natural do corpo de restaurar o equilíbrio.
- Resposta a Tratamentos: Alguns tratamentos podem oferecer alívio temporário dos sintomas, criando uma falsa sensação de recuperação. Isso pode ocorrer mesmo em fases avançadas de doenças terminais, quando o tratamento está apenas mitigando sintomas ao invés de curar a condição subjacente.
- Efeito Placebo: A expectativa positiva, tanto por parte dos pacientes quanto dos familiares, pode influenciar a percepção do estado de saúde. Esse efeito psicológico pode resultar em uma melhoria aparente, embora a condição subjacente não tenha realmente mudado.
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O que diz a ciência
O primeiro ponto relevante para olharmos para a chamada melhora da morte de uma perspectiva científica é que os estudos são poucos. Esses poucos estudos têm uma amostragem pequena. São mais qualitativos do que quantitativos. Ou seja, analisam casos específicos, mas não são grandes estudos com milhares de pessoas que passaram pela melhora da morte.
Isso tem algumas explicações. A primeira é que é difícil realizar um estudo do tipo. Não se trata de algo previsível como realizar uma pesquisa com pacientes que tiveram um certo diagnóstico.
O segundo é que um grande estudo sobre o tema poderia ser muito caro, muito trabalhoso e pouco útil do ponto de vista médico. Afinal, o que se esperaria descobrir? Para o que serviria encontrar uma resposta? Os pesquisadores têm pouca expectativa de que um levantamento do tipo traria algum avanço médico.
O terceiro ponto é uma questão ética e humana. Um estudo do tipo exigiria realizar testes e exames com uma grande quantidade de pessoas em estado terminal. Possivelmente, parte destes testes seriam invasivos.
Estudos
Um destes poucos estudos foi publicado em 2020 pelos pesquisadores Alexander Batthyany e Bruce Greyson, das universidades de Viena (Áustria) e Virgínia (EUA), respectivamente.
Eles analisaram especificamente pacientes que tinham um estado avançado de demência e observaram aqueles que apresentaram uma melhora súbita, por exemplo voltando a se comunicar com clareza.
O estudo revelou que apenas 6% desses pacientes viveram mais do que uma semana após a melhora (chamada de “lucidez paradoxal” no estudo).
Um outro estudo fez uma revisão de vários estudos sobre o tema publicados ao longo da história. A conclusão foi relativamente similar: 84% dos pacientes que tiveram melhoras súbitas morreram em até uma semana após a tal melhora.
Pesquisas em desenvolvimento
Ao longo das últimas décadas, no entanto, a medicina e pesquisadores têm se debruçado cada vez mais sobre o tema do envelhecimento. Campos chamados de nomes como “medicina do envelhecimento” ou até mesmo “do anti-envelhecimento” têm ganhado atenção – e recursos.
Em 2020, um grupo de pesquisadores da Universidade de Nova York, EUA, receberam financiamento para um projeto de cinco anos de pesquisa sobre a melhora da morte. O dinheiro veio do “National Institute on Aging” (algo como “Instituto Nacional do Envelhecimento”).
O objetivo do estudo é ousado: criar, pela primeira vez, definições e uma escala (como uma nota) para este fenômeno. Para chegar lá eles acompanharão no mínimo 500 pacientes com estado avançado de demência e outras doenças relacionadas, parte já em cuidados paliativos. O estudo ainda não foi publicado, mas será o maior do tipo.
Pacientes e familiares
A melhora temporária pode ter profundas implicações emocionais e práticas para pacientes e suas famílias. Para os familiares, essa melhora pode gerar falsas esperanças e uma sensação de engano quando o falecimento se aproxima. É crucial que os familiares compreendam que, embora o paciente possa parecer melhor, isso não necessariamente indica uma recuperação real.
Além disso, a melhora temporária pode criar desafios emocionais significativos, como a dificuldade em aceitar a realidade do estado terminal do paciente. É importante para os familiares manterem-se informados e preparados para o fim, apesar da aparente melhora.
Profissionais de saúde
Profissionais de saúde têm um papel fundamental na interpretação e comunicação da melhora temporária. Eles avaliam cuidadosamente o estado do paciente, considerando o histórico clínico e o prognóstico geral. A comunicação clara e honesta com a família é essencial para evitar mal-entendidos e falsas esperanças.
Os profissionais de saúde devem orientar os familiares sobre a natureza da melhora temporária e como ela pode se encaixar no quadro geral do paciente. Além disso, é importante que eles forneçam suporte emocional e ajudem a preparar a família para o final da vida.
Como lidar com quadros de melhores temporária
Para familiares e cuidadores, lidar com a melhora temporária pode ser desafiador. Aqui estão algumas dicas práticas para gerenciar essa situação:
- Manter expectativas realistas: Reconheça que a melhora temporária não implica uma recuperação completa. Mantenha-se informado sobre a condição do paciente e consulte profissionais de saúde para entender o quadro geral.
- Preparar-s: Continue a preparar-se para o falecimento iminente, mesmo que o paciente esteja melhorando. Esse preparo pode ajudar a lidar com a perda quando ela ocorrer.
- Oferecer Suporte Emocional: Ofereça apoio emocional ao paciente e à família durante esse período. A presença e o conforto podem ser reconfortantes, independentemente do estado de saúde.
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A “melhora da morte” é um fenômeno real, mas que pode ser confuso e emocionalmente desafiador. Reconhecer e entender esse fenômeno é crucial para gerenciar as expectativas e oferecer suporte adequado durante o processo de falecimento. Embora a melhora temporária possa criar momentos de esperança, é importante manter uma visão realista e preparar-se para o fim de maneira compassiva e informada.
Se você está passando por uma situação semelhante, saiba que não está sozinho. A compreensão e o suporte adequados podem fazer toda a diferença durante esse período desafiador.
A medicina e a ciência, por suas vezes, ainda caminham para entender os mecanismos que explicam este fenômeno.